MANIFESTO ANTROPÓFAGO
por OSWALD DE ANDRADE
Publicado por Oswald de Andrade no primeiro número da Revista de Antropofagia, São Paulo, em 1º. de maio de 1928..
Republicado em:
TELES, Gilberto Mendonça. Vanguarda europeia & Modernismo brasileiro Apresentação e crítica dos principais manifestos vanguardistas. 21ª. edição. Rio de Janeiro: José Olimpio , 2022. 658 p. ISBN 978-85-5547-069-4 Ex. bibl. Antonio Miranda
Só a antropofagia nos une. Socialmente. Economicamente. Filosoficamente.
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Única lei do mundo. Expressão mascarada de todos os individualismos, de todos os coletivismos. De todas as religiões. De todos os tratados de paz.
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Tupy, or not tupy that is the question.
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Contra todas as catequese. E contra a mãe dos Gracos.
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Só me interessa o que não é meu. Lei do homem. Lei do antropófago.
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Estamos fatigados de todos os maridos católicos suspeitosos postos em drama. Freud acabou com o enigma mulher e com outros sustos da psicologia impressa.
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O que atrapalhava a verdade era a roupa, o impermeável entre o mundo interior e o mundo exterior. A reação contra o homem vestido. O cinema americano informará.
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Filhos do sol, mãe de viventes. Encontrados e amados ferozmente, com toda a hipocrisia da saudade, pelos imigrados, pelos traficados e pelos touristes. No país da cobra grande.
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Foi porque nunca tivemos gramáticas, nem coleções de velhos vegetais. E nunca soubemos o que era urbano, suburbano, fronteiriço e continental. Preguiçosos no mapa mundi do Brasil
Uma consciência participante, uma rítmica religiosa.
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Contra todos os importadores de consciência enlatada. A existência palpável da vida. E a mentalidade pré-lógica para o Sr. Lévy-Brühl estudar.
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Queremos a revolução Caraíba. Maior que a Revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a pobre declaração dos direitos do homem.
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A idade do ouro anunciada pela América. A idade de our. E todas as girls.
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Filiação. O contato com o Brasil Caraíba. Oú Villegagnon print terre. Montaigne. O homem natural. Rousseau. Da Revolução Francesa ao Romantismo, à Revolução Bolchevista, à Revolução Surrealista e ao bárbaro tecnizado de Keyserling. Caminhamos.
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Nunca fomos catequizados. Vivemos através de um direito sonâmbulo. Fizemos Cristo nascer na Bahia. Ou em Belém do Pará.
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Mas nunca admitimos o nascimento da lógica entre nós. Contra o Padre Vieira. Autor de nosso primeiro empréstimo, para ganhar comissão. O rei analfabeto dissera-lhe: ponha isso no papel, mas sem muita lábia. Fez-se o empréstimo. Gravou-se o açúcar brasileiro. Vieira deixou o dinheiro em Portugal e nos trouxe a lábia.
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O espírito recusa-se a conceber o espírito sem corpo. O antropomorfismo. Necessidade da vacina antropofágica. Para o equilíbrio contras as religiões do meridiano. E as inquisições exteriores.
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Só podemos atender ao mundo orecular.
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Tínhamos a justiça codificação da vingança. A ciência codificação da Magia. A transformação permanente do Tabu em totem.
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Contra o mundo reversível e as ideias objetivadas. Cadaverizadas. O stop do pensamento que é dinâmico. O indivíduo vítima do sistema. Fonte das injustiças clássicas. Das injustiças românticas. E o esquecimento das conquistas interiores.
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Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros. Roteiros.
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O instinto Caraíba.
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Morte e vida das hipóteses. Da equação eu parte do Kosmos ao axioma Kosmos parte do eu. Subsistência. Conhecimento. Antropofagia.
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Contra as elites vegetais. Em comunicação com o solo.
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Nunca fomos catequizados. Fizemos foi Carnaval. O índio vestido de Senador do Império. Fingindo de Pitt. Ou figurando nas óperas de Alencar cheio de bons sentimentos portugueses.
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Já tínhamos o comunismo. Já tínhamos a língua surrealista. A idade de ouro. Catiti Catiti Imara Notiá Notiá Imara Ipejú
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A magia e a vida. Tínhamos a relação e a distribuição dos bens físicos, dos bens morais, dos bens dignários. E sabíamos transpor o mistério e a morte com o auxílio de algumas formas gramaticais.
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Perguntei a um homem o que era o Direito. Ele me respondeu que era a garantia do exercício da possibilidade. Esse homem chamava-se Galli Matias. Comi-o.
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Só não há determinismo onde há mistério. Mas que temos nós com isso?
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Contra as histórias do homem, que começam no Cabo Finisterra. O mundo não datado. Não rubricado. Sem Napoleão. Sem César.
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A fixação do progresso por meio de catálogos e aparelhos de televisão. Sá a maquinaria. E os transfusores de sangue.
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Contra as sublimações antagônicas. Trazidas nas caravelas.
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Contra a verdade dos povos missionários, definida pela sagacidade de um antropófago, o Visconde de Cairú: — É mentira muitas vezes repetida.
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Mas não foram cruzados que vieram. Foram fugitivos de uma civilização que estamos comendo, porque somos fortes e vingativos como o Jabuti.
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Se Deus é a consciência do Universo Incriado, Guaraci é a mão dos viventes. Jaci é a mãe dos vegetais.
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Nós tivemos especulação. Mas tínhamos adivinhação. Tínhamos Política que é a ciência da distribuição. E um sistema social-planetário.
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As migrações. A fuga dos estados tediosos. Contra as escleroses urbanas. Contra os Conservatórios, e o tédio especulativo.
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De William James a Voronoff. A transfiguração do Tabu em totem. Antropofagia.
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O pater famílias e a criação da Moral da Cegonha: Ignorância real das coisas + falta de imaginação + sentimento de autoridade ante a pro-curiosa [sic] .
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É preciso partir de um profundo ateísmo para se chegar à idade de Deus. Mas o caraíba não precisava. Porque tinha Guaraci.
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O objetivo criado reage como os Anjos da Queda. Depois Moisés divaga. Que temos nós com isso?
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Antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade.
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Contra o índio de tocheiro. O índio filho de Maria, afilhado de Catarina de Médici e genro de D. António de Mariz.
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A alegria é a prova dos nove.
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No matriarcado de Pindorama.
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Contra a Memória fonte do costume. A experiência pessoal renovada.
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Somos concretistas. A ideias tomam conta, reagem, queimam gente nas praças públicas. Suprimamos as ideias e as outras paralisias. Pelos roteiros. Acreditar no sinais, acreditar nos instrumentos e nas estrelas.
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Contra Goethe, a mãe dos Gracos, e a Corte de D. João VI.
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A alegria é a prova dos nove.
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A luta entre o que se chamaria Incriado e a Criatura-ilustrada pela contradição permanente do homem e o seu Tabu. O amor quotidiano e o modus vivendi capitalista. Antropofagia. Absorção do inimigo sacro. Para transformá-lo em totem. A humana aventura. A terrena finalidade. Porém, só as puras elites conseguiram realiza a antropofagia carnal, que traz em si o mais alto sentido da vida e evita todos os males identificados por Freud, males catequistas. O que se dá não é uma sublimação do instinto sexual. É a escala termométrica do instinto antropofágico. De carnal, ele se torna eletivo e cria a amizade. Afetivo, o amor. Especulativo, a ciência. Desvia-se e transfere-se. Chegamos ao aviltamento. A baixa antropofagia aglomerada nos pecados de catecismo — a inveja, a usura, a calúnia, o assassinato. Peste dos chamados povos cultos e cristianizados, é contra ela que estamos agindo. Antropófagos.
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Contra Anchieta cantando as onze mil virgens do céu, na terra de Iracema — o patriarca João Ramalho, fundador de São Paulo.
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A nossa independência ainda não foi proclamada. Frase típica de D. João VI — Meu filho, põe essa coroa na tua cabeça, antes que algum aventureiro o faça! Expulsamos a dinastia. É preciso expulsar o espírito bragantino, as ordenações e o rapé de Maria da Fonte.
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Contra a realidade social, vestida e opressora, cadastrada por Freud — a realidade sem complexos, sem loucura, sem prostituições e sem penitenciárias do matriarcado de Pindorama.
OSWALD DE ANDRADE
Em Piratininga
Ano 374 da Deglutição de Bispo Sardinha.
(REVISTA DE ANTROPOFAGIA,
n. 1, NO 1, 1º. de maio de 1928. São Paulo.
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